Tecendo a Rede

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César Negro

Histórias para despertar

        Já que Papai Noel só vai às casas com lareira, eu, menino pobre, preferia apostar minha crença nos duendes que, apesar de estarem ligados ao bom velhinho, ajudando-o, eram livres e podiam aparecer nas matas e jardins quaisquer. Fazia essa junção de “lendas” para que eu e meus amigos brejeiros também participássemos do espírito natalino.
        Como tudo passa (até fruta passa), vejo hoje essa lenda um pouco turva e limitada. Cresci e agora deixo-me inundar pela realidade, tão cheia de lirismo e de uma beleza doída, que no entanto não nos deixa passivos e nos intimida a uma contribuição e até liderança para mudança.
        Um menino dormindo na calçada junto a um cachorro, na mesma posição e condição, será o rei Chaplin ou o anjo da guarda dos animais? Aquele menino surdo dançando na favela ao som da batucada dos bêbados seria a Scarlet Ohara brasileira? A menina Indiara Felix, que morreu de frio nos braços quentes de uma assistente social, escolhera o lugar e a hora triunfal de fechar os olhos qual Cacilda Becker?
        São estórias reais que tiveram presença e interferência de um duende, desculpe, um educador. A realidade esconde uma gritante poesia, além de ser permeável, onde uma mão amiga é sempre bem-vinda. E o final só depende de nós. Somos responsáveis. E, aliás, como negar?!
        Nós, educadores sociais, que suamos em projetos e andamos nas pegadas dos excluídos, somos iguais àqueles duendes que vivem à sombra dos Noéis capitalistas, que aparecem em datas marcadas, em seus palanques e usam dialetos inacessíveis... Somos duendes mas existimos sim!
        Somos pensadores e braçais ao mesmo tempo, movidos por uma ideologia.
        Não acredito na pobreza. Eu sei a pobreza. E, por isso, saio às ruas e favelas para fazer o inverso do Papai Noel. Vou puxar a orelha das crianças e adolescentes e quem mais vir pela frente para que entendam a realidade e, juntos, possamos mudá-la para melhor.
        Vida longa ao bom velhinho mas que ele seja apenas um referencial para que aquela criança pobre que nasceu brilhe em nossos corações e seja o real exemplo, porque ele cresceu e mudou o mundo. Mas essa é outra história...

César Negro
Cedeca Indiara Felix Santos Affonso
Lapa - São Paulo

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