
Sylvia A. Gasparini
A
experiência como educadora em escolas e, posteriormente nas
ruas, com crianças saídas dos seus lares, vivenciando
suas fantasias em meio à violência das calçadas,
sempre me trouxe a sensação de impotência mesmo
que plenificada por estar próximo aos mais jovens, cheios
de vida e esperança . O
paradoxo de estar junto com crianças, respeitando seu modo
de ser, sua realidade e discordando veementemente de sua permanência
nas ruas, dava a sensação de vivermos em contradição
permanente . Era
necessário traçar os primeiros passos da pedagogia
de rua para dar os subsídios elementares para atuar
com crianças na rua. Mesmo se dela devessem sair. Os grupos
foram divididos, segundo suas habilidades : vendedores de santinho,
engraxates , doceiros e da rua, mais conhecidos como “trombadinhas”.
Talvez o grupo mais original e criativo que nós, educadores,
conhecemos. Na
época em que não davam Ibope, passavam desapercebidos.
Após a morte de Joilson (espancado por um advogado no Largo
São Francisco, em São Paulo, em 1983), saíram
do anonimato e, qual fratura exposta, não deixaram mascarar
a triste miséria do país: ter crianças vivendo
nas ruas. De
diferentes formas, lutaram duramente para sobreviver. Com o tempo
muitos foram indo embora, submetendo-se e voltando para casa. Outros
não aguentaram e capitularam frente à Febem. Outros
morreram: matados, atropelados, overdose, AIDS... E alguns acabaram
no Carandiru. Quase todos sem perspectiva. Muito poucos saíram
ilesos, apesar das inúmeras tentativas para salvá-los.
Os anos foram passando
também para nós que fomos saindo das ruas, buscando
outros espaços, seguindo ou não na mesma área,
sempre com o olhar atento para uma realidade aparentemente inalterada.
Só que não
é bem assim. Hoje várias pessoas se envolveram com
a causa. Novos educadores continuam nas ruas, as denúncias
são mais consistentes, tem gente lutando pela terra e temos
um ECA que é necessário colocar em prática.
Jul/2000.
Sylvia A. Gasparini
pedagoga do Programa Famílias Acolhedoras, da Comunidade
Filhos da Providência |