
Palavras grávidas
de mundo*
Paulo
Freire dava uma importância muito grande para a leitura do
mundo. Mais do que saber decifrar e combinar letrinhas de uma sopa
qualquer, ler implica uma possibilidade maior, já que o que
está em jogo é a “palavramundo”. Só é
possível lê-la através de uma percepção
crítica das muitas relações que acontecem e
nos atravessam. Ser educador é
uma tarefa que relaciona-se a esta possibilidade de ampliar o universo
de leituras daquele que é o educando. Sempre lembro de um
texto que li sobre o que era a leitura, que dizia que o início
dela se dá sensorialmente, pelo cheiro do livro, pela atração
de suas cores, seu peso e seus múltiplos sentidos, despertados
pelo seu conteúdo. O mundo
se presta a uma desordenada produção de sentidos e
experiências. E não podemos desconsiderar que a leitura
começa também por aí. Inserir ou reinserir
na cultura, discurso sempre presente nas ações educativas,
implica um além do estar na escola, ter um trabalho, uma
moradia etc... Implica um poder pensar-se neste redemoinho que é
o cotidiano e refletir criticamente sobre o que nos circunda.
Quantos adolescentes podem ler um
jornal? Educar é antes
de tudo estar presente, é troca, é afeto, é
vínculo, respeito. Para ser educador hoje, vale pensar nas
leituras que cada um pode fazer de si e do mundo, pois isto será
usado como lastro da relação educador e educando.
Daí a fundamental importância da formação
contínua, da reflexão sobre a prática, da elaboração
teórica e a dor e a delícia do dia a dia com o outro,
aquele que nos olha matreiramente sem paciência hoje, ou sedento
de novidades, com segredos a nos contar ou esconder, com desejo
de ser gente grande, ou vontade de não crescer, com uma folga
habitual, daquelas de jogar tudo pra cima, ou um esforço
de dar orgulho, ou, ou, ou....
Setembro 2000
Graziela Bedoian
Psicóloga e coordenadora técnica do Projeto Quixote
* “A importância
do ato de ler” Paulo Freire. |