Tecendo a Rede

Profissão Educador

Muito além de um “melhoral”

        Trabalhamos em meio à miséria. Muitas vezes, as crianças e adolescentes pedem sem cessar. Parecem uma boca aberta sempre em movimento.
        Por um lado, algumas instituições, na ilusão de atenuar as angústias, utilizam-se do verbo dar, caindo nas armadilhas do assistencialismo. E, às vezes, ao dar, dão qualquer coisa. Parece absurdo, para algumas instituições, que aqueles que nada têm se queixem da comida, do espaço físico ou outras coisas. Por quê? Quem nada tem deveria contentar-se com o que é dado e ainda reverenciá-lo? Vejo esta postura como uma herança do nosso processo de colonização, onde negros e pobres foram colocados em espaços socias de menor valor.
        Por outro lado, será que dar é o único caminho? Diante dos insistentes pedidos, ao invés de atender, poderíamos escutar. Refiro-me a uma escuta que interrogue o sujeito e implice-o na sua fala. O nosso desafio é decifrar os pedidos:  o  “me dá um trocado” ou “tia, me dá isso” podem ser deslocados para lugares onde apareçam os  verdadeiros desejos.
        Acredito que o papel das instituições não seja agir como Macabéia, do conto A Hora da Estrela, de Clarice Lispector, que tinha um namorado que não a amava, um trabalho ruim e diante disso sentia dores e tomava melhoral, com o intuito de melhorar.
        Como trabalhadores sociais, devemos nos perguntar de onde vêm e o porquê de tais dores. E então aceitarmos que não daremos conta de tudo.  Mas a diferença pode ser grande.
        As instituições têm endereço, número... e tenho a impressão que é isso o que os adolescentes esperam reencontrar: um endereçamento, uma filiação. Termino me lembrando de um menino que desenhou a bandeira do Brasil e, no lugar de “Ordem e Progresso”, escreveu o seu nome completo.

Mai/2000.

Maria Helena dos Santos
psicóloga

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