
Muito além de um
“melhoral”
Trabalhamos
em meio à miséria. Muitas vezes, as crianças
e adolescentes pedem sem cessar. Parecem uma boca aberta sempre
em movimento. Por
um lado, algumas instituições, na ilusão de
atenuar as angústias, utilizam-se do verbo dar, caindo nas
armadilhas do assistencialismo. E, às vezes, ao dar, dão
qualquer coisa. Parece absurdo, para algumas instituições,
que aqueles que nada têm se queixem da comida, do espaço
físico ou outras coisas. Por quê? Quem nada tem deveria
contentar-se com o que é dado e ainda reverenciá-lo?
Vejo esta postura como uma herança do nosso processo de colonização,
onde negros e pobres foram colocados em espaços socias de
menor valor. Por
outro lado, será que dar é o único caminho?
Diante dos insistentes pedidos, ao invés de atender, poderíamos
escutar. Refiro-me a uma escuta que interrogue o sujeito e implice-o
na sua fala. O nosso desafio é decifrar os pedidos: o
“me dá um trocado” ou “tia, me dá isso” podem
ser deslocados para lugares onde apareçam os verdadeiros
desejos. Acredito
que o papel das instituições não seja agir
como Macabéia, do conto A Hora da Estrela, de Clarice Lispector,
que tinha um namorado que não a amava, um trabalho ruim e
diante disso sentia dores e tomava melhoral, com o intuito de melhorar.
Como trabalhadores
sociais, devemos nos perguntar de onde vêm e o porquê
de tais dores. E então aceitarmos que não daremos
conta de tudo. Mas a diferença pode ser grande.
As instituições
têm endereço, número... e tenho a impressão
que é isso o que os adolescentes esperam reencontrar: um
endereçamento, uma filiação. Termino me lembrando
de um menino que desenhou a bandeira do Brasil e, no lugar de “Ordem
e Progresso”, escreveu o seu nome completo.
Mai/2000.
Maria Helena dos
Santos psicóloga |
Participe Mande
informações, dúvidas e comentários para
Boletim Tecendo a
Rede Rua Prof.
Francisco de Castro, 92, 04020-050, São Paulo-SP tel/fax:
(11) 5571-9476 / 5576-4386 e-mail: tecendoarede@epm.br |