Tecendo a Rede

Profissão Educador

Impotência x Onipotência

        Enquanto escrevo minhas reflexões sobre o Educador de Rua, há crianças vivendo nas ruas; ontem elas  lá  estavam, amanhã ainda estarão. Podemos tentar negar a existência do fato, fingir esquecimento; mas já estamos comprometidos. Alguns sentem ímpetos de provocar mudanças; outros ponderam sobre as possibilidades de ação;  outros têm a sensação de impossibilidade e procuram, então, acomodar-se à situação. Contudo, as pessoas que conservam sua capacidade de indignar-se com a miséria humana e de se curvarem à miséria do outro no intuito de saná-la ou minimizá-la, representam a própria  possibilidade de solução do problema.
                São essas pessoas os Educadores de Rua, pessoas que assumem o compromisso de ação e possuem o potencial para a transformação no sentido do crescimento, seu e do outro.  Ao constatar o fato de que crianças estão vivendo em situação de risco, vem-nos o sentimento de indignação, e é muito natural sentirmos ímpetos de realizarmos ações homéricas. É bastante comum acreditarmos, antes de tomarmos contato efetivo com a realidade dessas crianças e compreendermos a potência da máquina social que promove e mantém tal quadro, que temos, em nós, apenas em nós,  toda a capacidade de transformação e solução, imbuídos que estamos de boa vontade e coragem. É natural que sejamos envolvidos por  sentimentos  de onipotência, afinal a constatação de que crianças vivem nas ruas é de uma tal brutalidade contra nossa natureza, que sentimos a necessidade e a certeza ilusória de nossa capacidade de promovermos a cura com nossas mãos nuas.
        Como Ícaro, temos a ilusão de que alcançaremos o Sol com asas por nós construídas. E como Ícaro experimentamos a crueza da realidade que nos lança ao chão: o Sol é inatingível, sobretudo se tentarmos alcança-lo num vôo solitário para o qual não estamos preparados, pois as asas projetadas e construídas por um só homem não o leva a grande distância; em pouco tempo ela se desfaz e a queda é certa.
         As conseqüências dessa queda podem ser bastante danosas, pois que o educador passa a perceber-se, então, como impotente. Com tantos planos de ação, com tanta determinação e coragem, ele que se julgava superpotente vê-se agora como incapaz.
        Porém, os danos dessa desilusão podem ser reparados e, mais, utilizados para a própria construção da sua identidade. Essa “queda” inevitável é  parte do processo de educação do educador.
        Com orientação de precursores, leitura e disponibilidade para transformação, o educador passa a perceber que o Sol é mesmo inatingível e que seu vôo solitário estivera, desde sempre, fadado ao fracasso. Porém também sabe que o problema está colocado, é fato: há crianças vivendo nas ruas.
        Diante da constatação de que sozinho não conseguirá transformar o fato, e de que a situação carece de ações efetivas, o educador passa a somar sua força à força de seus iguais e juntos, fazem movimentos viáveis que levam a soluções gradativas e concretas do problema.
        Este é o nível de maturidade a que deve chegar: ele começa a perceber-se  como alguém não onipotente, não impotente, descobre então sua potência enquanto agente transformador  pois percebe que as ações, realizadas em conjunto com as demais pessoas e grupos envolvidas no compromisso de encontrar soluções possíveis, acontecem uma  a uma, dia após dia, num crescendo que culminará na real minimização, e quem sabe solução do problema: a extinção, através da cura do mal social, do fenômeno criança em situação de rua.

Abr/2000.

Maria Inês Rondello
psicóloga/educadora

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