Tecendo a Rede

ECA

Saldo de esperança

        A partir de 1990, a criança e o adolescente brasileiros passaram a ter direitos assegurados em lei. Aquilo que antes eram desejos, princípios, reivindicações e declarações virou lei federal que obriga o Estado, a Sociedade e a Família a garantirem, como prioridade absoluta, todos direitos de todas as crianças e adolescentes. E, após 10 anos de vigência da lei, podemos falar de pelo menos três grandes mudanças que melhoraram a sua vida.
        A primeira delas é a conquista de mais espaços de PARTICIPAÇÃO da criança e do adolescente para expressarem sua opinião e colaborarem na tomada de decisões sobre questões que lhes dizem respeito. Um aluno pode, por exemplo, solicitar na escola a revisão de sua nota se ele se sentiu injustiçado, como também opinar na elaboração da proposta pedagógica. Na separação dos pais, a criança deve ser ouvida pelo juiz e pode expressar com qual dos pais quer ficar. Nos abrigos, ela tem direito a participar da definição das rotinas da instituição. Por outro lado, alguns Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente criaram câmaras da qual participam os adolescentes.
        Além da participação, também foi fortalecida a idéia de FAMÍLIA. Hoje nenhuma família pode ter seus filhos retirados só porque é pobre. No hospital, a criança tem direito de estar acompanhada por um dos pais sem pagar nada por isso. Crianças órfãs, sem família ou moradoras de rua devem ser encaminhados em primeiro lugar para sua família ou para uma família substituta. A internação num abrigo só será aceita depois de esgotadas todas as possibilidades.
        Diminuiu assim o número de crianças afastadas de sua família, multiplicando-se os programas destinados a ajudar as famílias a manterem seus filhos, como bolsa-escola, profissionalização e alfabetização de adultos, micro-crédito para pequenos negócios familiares e apoio sócio-psico-familiar contra a violência.
        Outra conquista foi a DIVISÃO DA RESPONSABILIDADE entre todos. Antes do Estatuto, eram poucos os grupos que se preocupavam com a infância. Limitavam-se especialmente a algumas igrejas, confrarias, associações, primeiras-damas e filantropos. Ao romper com a idéia de “menor” e igualar todos enquanto crianças e adolescentes, o Estatuto atribuiu a responsabilidade à Família, Estado e Sociedade pelo atendimento a seus direitos. Através da possibilidade de investimento financeiro na área com a possibilidade de dedução no imposto de renda, a lei atraiu muitos empresários. Ampliando o papel do Ministério Público e definindo o do Judiciário e da Defensoria, gerou novas liderança no meio jurídico, inclusive com a Ordem dos Advogados do Brasil criando comissões especiais de proteção a infância. Ampliando as modalidades sócio-educativas, ampliou também o número de ONGs que se especializaram. Desta forma, em 10 anos da nova lei, milhares de novos atores sociais se comprometeram com a defesa dos direitos infanto-juvenis.
        Há muitos outros avanços, mas há também algumas dificuldades que precisam ser enfrentadas. Uma delas é a idéia de que a criança é PROPRIEDADE DO ADULTO. O trabalho infantil, os maus-tratos, o abuso e a exploração que ainda atingem milhões de crianças brasileiras persiste por falta de investimentos do governo em políticas sociais básicas e pela mentalidade dos adultos que acham que podem fazer da criança o que bem entendem.
        O tratamento dado aos ADOLESCENTES INFRATORES é outro desafio emblemático. Embora o Estatuto seja rigoroso na responsabilização do adolescente que pratica um delito, muitas instituições que fazem seu atendimento ainda insistem em puní-los de forma desumana, prevalecendo a tortura, os maus-tratos e a inexistência de instalações físicas adequadas para o desenvolvimento de um projeto pedagógico.
        Também faltam instituições de proteção da criança. O ECA determina a criação de Conselhos de Direitos e o Fundo da Infância (para garantir a participação da sociedade na gestão das políticas públicas) e de Conselhos Tutelares (para ser no município o fiscal permanente da lei, tomando iniciativas concretas de encaminhamento e solicitação de serviços que assegurem o atendimento dos direitos da criança no dia-a-dia). Entretanto, menos de 50% dos municípios brasileiros tem estes órgãos estruturados.
        Entre os avanços e as dificuldades, o saldo é de muitas esperanças. Há um amplo movimento de consolidação dos direitos da criança como valor maior da sociedade. Esta tendência, se assegurada e consolidada, garantirá ao país melhores dias não só para as crianças como para toda a sociedade.

Jul/2000.

Mário Volpi
Consultor do Unicef do Brasil

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